A
manhã promete...Acordo com o feeling de ser um dia brutal. As ondas despertam que nem bombas de alto astral e o vento com energia onshore.
Apressado,
voo pelas escadas directo à minha quiver escolher a prancha do dia. Escolho
duas. Arrumo o wax, uma sweat na mochila, enfio um gorro e os ténis e esqueço tudo ao meu
redor, pois não há nada melhor que um dia de surf não cure.
Completamente
extasiado, atiro-me na areia deserta. Sinto as minhas costas colarem-se na
areia molhada. Olho o céu límpido de um azul transparente, repleto de pontos
brilhantes e irrequietos que brincam com a minha íris. Ouço o meu coração
acelerado, os meus pés estão engelhados e mesmo com um 4.3 sinto o corpo gelado. Mas o que interessa isso. Meros pormenores.
Dispo
a minha segunda pele de tubarão até à cintura, enfio o bico na areia e encosto-me à rocha dos
perceves da baixa-mar, e converso com a minha sereia encantada, envolto pelo
perfume de iodo que emana do fumo das ondas que morrem em espuma na areia.
Ela
canta-me ao ouvido, sabiam? Dizem que o canto da sereia encanta e engana. Será
mesmo assim?
A
vida tem estranhas formas, tal como o verso fadado, “estranha forma de vida”. E
tal como a sereia, encanta e engana.
É
no mar que entranho as coisas estranhas que ela me mostra. Por vezes acho que
preciso de algo que a vida não me dá e, em contra partida, não preciso do que
penso precisar. Será que a vida brinca comigo?
Brinca,
brinca muito a sério, e as suas personagens brincam, nós brincamos uns com os
outros, com quem mais gostamos e admiramos e com quem nada acrescenta.
A
minha sereia conta-me histórias, muitas histórias de piratas, de
conquistadores, de príncipes e aventureiros...histórias que continuam vivas tal
como o peso de âncoras seculares afundadas com essas mesmas histórias. E no
canto doce e encantador ouço os sentimentos de quem também ouviu o prazer e a
decepção, os risos da felicidade e o choro queixoso, a raridade de sentimentos
bons e o incondicional inesquecível, a palavra amo-te e odeio-te, a cobrança e
o julgamento versus incentivo e coragem, as paixões avassaladoras, as
cicatrizes a sarar, a música que narra esperanças e emoções, o que damos à vida
e o que a vida nos dá...
E
afinal, o que é esta melodia quase angelical que ecoa por entre os mares e nos
seduz? Esta estranha forma de vida é simplesmente o eco do canto racional da
sereia, sofredor e mortal.
Surge na linha do horizonte, o set que por tanto esperava. Sou um big
rider, sou um lutador.
Enfio-me
no meu fato negro, pego-me à prancha e mergulho no sentido da minha vida, que só
eu estranho e entranho. I am a free surfer. SHAKA.
Shaka!
(tradução de shaka – "está tudo bem")
Dulce Madalena Guarda ♥
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